OS DESAFIOS NO COMBATE AO ECOSSISTEMA DA DESINFORMAÇÃO

 OS DESAFIOS NO COMBATE AO ECOSSISTEMA DA DESINFORMAÇÃO

Por Ana Regina Rêgo

O ecossistema da desinformação agrega aliados a cada dia no Brasil e em grande parte do mundo. Particularmente em nosso país o cenário é bem complicado, pois contamos com a presença de players  que não atuam em outros países, pelo menos não com a mesma intensidade, tais como, igrejas evangélicas neopentecostais conservadoras que se proliferam a cada esquina de cada uma das mais de 5 mil cidades brasileiras, sendo que muitas delas tem atuado com grande potência no mercado da desinformação. Essa postura e atuação não é regra para todas as igrejas evangélicas ou mesmo católicas ou de outras religiões, mas há uma grande interveniência de religiosos tanto na criação de conteúdos desinformativos, quanto na distribuição destes conteúdos entre os fiéis, configurando uma exploração da inocência/ignorância ancorada na “compra” das almas, visto que muitas das igrejas trabalham com estratégias de mercado e aumentar a market share tem se tornado um grande e lucrativo negócio.

Esta semana o Ministério da Saúde e a CPI da COVID-19 receberam um documento enviado por lideranças indígenas que aponta para as consequências da desinformação entre os povos indígenas no que concerne à vacinação, visto que muitos tem receio de virar jacaré, mudar de sexo e morrer em até dois anos, após tomar a vacina. O Ministério da Saúde tenta promover a assistência dos povos indígenas por meio de 34 Distritos Sanitários Especiais que já enviaram ao Ministério,  19 relatórios sobre recusas de vacinação, e que abordam também  as estratégias dos DSEIs para vencer a resistência dessas populações a vacinação. O Globo relatou tal situação na matéria disponível no link: https://oglobo.globo.com/brasil/noticias-falsas-sobre-vacina-deixaram-indigenas-com-medo-de-virar-jacare-mudar-de-sexo-ate-de-morrer-mostra-documento-do-ministerio-da-saude-25094953  .

O Coletivo Bereia, nosso parceiro na Rede Nacional de Combate à Desinformação-RNCd Brasil, realizou  uma apuração jornalística e publicou matéria no final de junho sobre o mesmo tema enfatizando que grande parte da desinformação tem como fonte, religiosos que atuam em áreas indígenas. A motivação para a matéria partiu de um ofício da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas que foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República em que reportam a propagação de narrativas desinformacionais/fake News por parte de missionários ligados a igrejas evangélicas, que dentre outras afirmações orientam os indígenas a não se vacinarem, pois a “vacina não é de Deus”. Confira matéria na íntegra em https://coletivobereia.com.br/interferencia-de-missionarios-ligados-a-igrejas-evangelicas-prejudica-vacinacao-de-indigenas/

Dentre os inúmeros modos de atuação dos evangélicos no ecossistema da desinformação no Brasil, encontramos ainda o direcionamento dos fiéis para as redes de distribuição em aplicativos de mensagem, por onde a informação e desinformação circulam com grande intensidade. Por outro lado, proíbem os fiéis de se informarem em canais jornalísticos, detendo assim o poder sobre a formação do outro, levando-os a uma só fonte informativa.

Infelizmente, este não é o único desafio que enfrentamos no combate à desinformação. O último Relatório de Mídia Digital do Institute Reuters em parceria com a Universidade de Oxford aponta para o comportamento dos usuários das diversas redes sociais no que concerne aos hábitos de consumo de informação.

A pesquisa realizada com um público jovem (45 anos para baixo) destaca o papel dos Digital Influencers  na cadeia informativa.  Em suma, as redes sociais  que possuem usuários mais jovens abrigam a maior tendência a seguir influencidadores e celebridades, em substituição aos jornalistas.

Por exemplo, na rede TikTok que possui atualmente o público mais jovem, influenciadores e celebridades são procurados por 36% dos usuários em busca de informações, enquanto que sites e canais jornalísticos, assim como jornalistas, são procurados por somente 14% dos usuários do TikTok. Esse fenômeno também se repete no Snapchat onde 35% dos usuários procuram influenciadores e celebridades contra 17% dos que procuram o jornalismo.  No Instagram a realidade é similar e 34% dos usuários também preferem os digital influencers, enquanto que 21% vão aos canais jornalísticos. No YouTube a questão está mais equilibrada com 24% se informando em canais de influencers e 25% em canais jornalísticos.

Já no Facebook e no Twitter, os usuários ainda mantém preferência pelo jornalismo, embora no Facebook outro fenômeno tenha surgido, com 25% se informando através de pessoas comuns e 28% em canais de jornalismo. Para ler mais sobre a pesquisa acesse: https://mediatalks.uol.com.br/2021/06/27/usuarios-de-redes-jovens-como-snapchat-e-tiktok-preferem-se-informar-com-influencers/

Tal realidade, assim como, a retratada anteriormente, é preocupante visto que dentre os digital influencers e celebridades temos um grande crescimento de personagens que apenas reverberam falas de si, suas opiniões a partir de seus lugares, diferentemente da instituição jornalística que embora cometa grandes erros, como no recente caso das vacinas vencidas, cuja matéria poderia ter sido melhor apurada e o título menos sensacionalista; em sua maioria o jornalismo está preparado para uma apuração dos acontecimentos e uma ponderação entre as opiniões reverberadas, procurando mostrar os vários lados das questões visibilizadas.

Nesse universo de influenciadores e celebridades digitais percebemos um grande número de mercadores da desinformação que abraçam com grande veemência movimentos negacionistas como o movimento antivacina que vem fazendo grandes estragos no Brasil na atualidade. É bem verdade também, que alguns jornalistas estão mergulhando no ambiente da desinformação e lucrando bastante, como vimos com as revelações recentes do Google e do Facebook para a CPI da Covid-19.

Em todas as realidades aqui mencionadas percebemos o avanço da desinformação, sobretudo, porque envolve o conhecimento das estratégias de marketing digital e das possibilidades ofertadas pelas plataformas digitais, por parte de quem domina tais estratégias, a finalidade dos mercadores da mentira pode ser múltipla e envolver convencimento político, ou,  no atual caso da pandemia da Covid-19, genocídio dos vulneráveis e obviamente, lucratividade impensável em outros tempos.

Em 2018, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts-MIT realizou uma pesquisa nos Estados Unidos, publicada na revista científica Science em que apresenta dados que comprovam que fake News ou outras modalidades de desinformação circulam 70% mais rápido do que notícias que tenham a factualidade em sua composição principal. Outra conclusão da mesma pesquisa é de que se a fake News tiver como temática a política, a sua divulgação é ainda 3 vezes mais rápida do que narrativas falsas sobre outros temas. A desinformação, portanto, é muito lucrativa para investe em seu mercado.

Por fim, vale lembrar, para a Covid-19:_ vacinas, máscaras e distanciamento. Para a desinformação:  __ apuração em fontes confiáveis e em múltiplos canais de jornalismo e de jornalismo de checagem.

Equipe NUJOC

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